“Mesmo com o rio todo poluído a gente ainda conseguia pegar peixe e encher uns dois baldes de camarão todo dia até ano retrasado, mas agora só ver morto. E quando tem vivo é bem pouco. Não enche nem um balde. Tem que passar a semana toda juntando para vender no sábado”. O relato é do pescador Geovando Dionísio, 50 anos, que vive da pesca do Rio Gramame desde sua infância. Há pouco mais de um ano e um mês, 40 mil litros de soda cáustica da estação de tratamento da Companhia de Água e Esgoto da Paraíba (Cagepa) vazaram no rio, trazendo sérios danos ao meio ambiente. No entanto, este não é o único rio poluído na Região Metropolitana de João Pessoa. Mais da metade do total de 20 rios estão em péssimas condições. Nesta sexta-feira (22), no Dia Mundial da Água, não há o que se comemorar. No entanto, para especialistas há uma luz no fim do túnel, pois ainda é possível recuperar alguns rios, caso os poderes públicos tomem providências.
O Rio Gramame, responsável pelo abastecimento de 70% dos municípios da Região Metropolitana de João Pessoa, sofre há anos com a poluição, principalmente dos dejetos lançados pelas indústrias e esgotos domésticos. Os pescadores e moradores das áreas ribeirinhas lutam para combater a poluição que ocorre há anos.
Quando criança, Nelcinalva Eloi, hoje com 43 anos de idade, pescava com a mãe. Ela conhece de perto as mudanças ocorridas no Gramame. “Hoje eu sou uma pescadora habilitada e gosto do que faço. Tive que parar há uns dois meses por conta da minha saúde e também por conta do Seguro Defeso, mas muita coisa mudou, principalmente depois do ano passado”, comentou, lembrando do derrame de soda cáustica ocorrido em fevereiro de 2018.
Assim como Nelcinalva Eloi, que mora na comunidade de Mituaçú, no município do Conde, no Litoral do Sul, o pescador Geovando Dionísio, que também vive da pesca do Rio Gramame, lamenta a contaminação do rio ao longo dos anos. “A gente fica triste quando vê essa situação”, contou.
Mesmo com o Rio Gramame poluído, pescadores ainda recorrem ao local para pescar e moradores, principalmente crianças, também aproveitam a água para o banho, sem receios.
Os pescadores reforçam que a situação se agravou após o derrame da soda cáustica. “Quando a gente acordou sentiu um mau cheiro forte, quando foi ver no rio eram peixes mortos”, lembrou do ocorrido Nelcinalva Eloi.
Espécies desapareceram
O coordenador da campanha “O Rio Gramame quer viver em águas limpas” e gestor de Meio Ambiente da Escola Viva o Olho do Tempo (Evot), ONG que atende 130 crianças da área de Gramame, Ivanildo Santana, destacou que após o derrame de soda cáustica muitos pescadores abandonaram o rio onde pescavam, pois muitas espécies morreram em virtude da contaminação. Alguns deles recorreram a outras áreas como o Rio Jacoca, no Conde, para a pesca. Ele lembrou que no Gramame a quantidade de camarão era alta e hoje o volume é bem menor.
“Muitas espécies morreram e eles tiveram que recorrer para outras áreas para sobreviver”, afirmou, destacando que na época que ocorreu o derrame foi feita uma análise da qualidade da água por especialistas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e constatou baixo nível de oxigenação.
“A ponto de, naquela área onde a soda atingiu, não ter sobrevivência de nenhuma espécie. Ficou zerado. Só as bactérias poderiam sobreviver naquele local por onde passou a soda. Assim que ela cai no rio se transforma em uma bolha e essa bolha vai andar até se diluir na água. No caminho percorrido por essa bolha foi uma destruição muito grande. Nós passamos cinco dias coletando peixes mortos na margem do rio. Os pescadores passaram cinco dias sem pescar, apesar de ser um rio contaminado, as pessoas tinham esse hábito de pescar, inclusive pessoas que geravam rendas para suas famílias como complemento. Depois do acidente não se houve mais. Zerou. Depois disso foi se recuperando porque o rio tem uma fluidez muito grande e relativamente boa”, comentou.
Como a luta para a preservação do Gramame existe há anos, o coordenador da Campanha e gestor do Meio Ambiente, informou que já foram firmados dois Termos de Ajustamentos de Conduta (TACs), há um inquérito civil público tramitando no Ministério Público Federal (MPF) e também uma ação do MPF com o Ministério Público da Paraíba (MPPB) que repassou recomendações, em janeiro deste ano, para que as empresas que lançam contaminantes no rio elaborem um plano de preservação das nascentes a fim de cuidar do local.
"Existe uma série de agentes que poluem o rio e não é só isso isolado. Existe uma cadeia de poluentes que impacta de forma muito grave em toda a bacia do Gramame. Nós somos uma ONG que atende 130 crianças e elas fazem oficinas, dentre essas a de educação ambiental. Então, elas são agentes e guardiãs desse rio. Nós temos esse cuidado de conversar com as crianças porque esse rio é importante para a cidade e nós" falou Ivanildo Santana, Coordenador da campanha e gestor da Evot.
Recuperação é possível
Embora a cidade de João Pessoa seja ‘abençoada’ pela presença de vários rios, riachos e córregos, segundo o professor do Departamento de Sistemática e Ecologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Gilson Moura, não houve um planejamento quanto a ocupação do seu entorno.
Ao longo dos últimos 30 anos não houve uma fiscalização eficaz por parte dos poderes públicos em relação as ocupações de forma desordenada, o que contribuiu para que resíduos domésticos e dejetos das moradias tivessem como destino os rios de forma clandestina. Muitas vezes são da comunidade, que sem condições de fazer fossas, ou quando fazem também não resolve porque fica perto do rio.
Gilson Moura destacou também os vazamentos constantes da Cagepa e o lançamento proposital do órgão diariamente no Rio Jaguaribe, a partir da subestação elevatória na Avenida Beira-Rio, que fica na comunidade Padre Hildon Bandeira. Tudo isso, segundo o professor, contribui para tornar o Jaguaribe, que passa por vários bairros da Capital, contaminado.
Para o professor Gilson Moura ainda é possível recuperar os rios da Região Metropolitana de João Pessoa, mas para isso é necessário que o poder público tome providências como a retirada dos lançamentos de esgotos, proibição efetiva do despejo de resíduos domésticos e ocupação das áreas ribeirinhas. Ele lembrou que nos rios Timbó e Mandacaru ainda têm a presença de resquícios de mata ciliar – aquela vegetação que fica no entorno e que protege as áreas fluviais – o que possibilita a recuperação. “No Rio Mandacaru, no trecho que fica por trás da Promac, em tempos de estiagem corre água da galeria pluvial, que não é da chuva, é de esgoto clandestino que cai na galeria pluvial. O que mais intriga é que fica em um bairro de classe média, média-alta. Então isso não justifica. Falta é um empenho por parte de gestores públicos em pegar pesado com essas pessoas que jogam os esgotos na rede pluvial, a Cagepa fazer a parte dela, a Sudema e a Semam fazerem a parte de recuperação”, denunciou.
Ele disse que é possível recuperar os rios, caso os poderes públicos montem um planejamento, junto com estudiosos, pesquisadores das universidades e institutos federais e apontem soluções para o problema.
"Tanto a nascente do Rio Mandacaru quanto a nascente do Rio Timbó ainda estão em condições de recuperar", Gilson Moura , professor da UFPB.
Fonte: Correio da Paraíba