Surfactantes, detergentes, esgotos sanitários e a ETA Guandu
*Por Isaac Volschan Jr.
Esgotos sanitários são gerados em decorrência do uso urbano das águas de abastecimento. Os domicílios e as atividades comerciais, público-institucionais e industriais inseridas no meio urbano utilizam a água provida pelo sistema público de abastecimento e a ela agregam substâncias de diversificada composição física, química e biológica. A reunião das águas residuárias provenientes das fontes que utilizam a água é que principalmente compõe os esgotos sanitários.
Todos usuários urbanos de água utilizam detergentes e sabões para fins de higiene e limpeza de uso pessoal, de bens materiais, e de suas respectivas edificações e instalações. Portanto, esgotos sanitários sempre contiveram detergentes e sabões.
O lauril sulfato de sódio é o agente surfactante mais utilizado pela indústria de higiene e limpeza e de fabricação de produtos cosméticos. A legislação brasileira obriga a fabricação de detergentes com base em estruturas carbônicas lineares, e sujeitos a degradação por ação de organismos decompositores, configurando o que se conhece como “detergente biodegradável”. Diferentemente, detergentes fabricados com base em cadeias carbônicas ramificadas mantêm-se refratários e persistentes à degradação biológica, assumindo maior potencial para a poluição das águas.
A presença de surfactantes na água é identificada e quantificada com base em parâmetro físico-químico específico, denominado Surfactantes ou Substâncias Tensoativas. O método analítico empregado para a sua determinação é baseado no parâmetro MBAS (Substâncias Ativas ao Azul de Metileno).
Em geral, surfactantes são constituídos por moléculas específicas, com afinidade por óleos, gorduras, soluções com sólidos, líquidos ou gases, e também pela água. Em função de sua constituição molecular conter uma extremidade hidrofóbica e outra hidrofílica, estas substâncias podem pertencer a dois meios distintos e conciliar fases imiscíveis. Esta propriedade permite sua interação com substâncias polares, tal como a água, como também com substâncias apolares. Como as extremidades hidrofóbicas não apresentam afinidade com a água, porém afinidade entre si, tendem a se reunir e, organizadamente, formarem estruturas denominadas micelas. A solubilização de substâncias tensoativas em meio aquoso e a distribuição de micelas por todo o volume é que determinam a eficiência do processo de detergência. Ambos os mecanismos dependem de mistura e agitação, sendo esta última a causa principal da formação da espuma.
Assim é que em corpos d’água naturais, a combinação entre a presença de surfactantes e mecanismos de agitação da massa d ́água, por ação hidrodinâmica naturalmente turbulenta ou por qualquer outra intervenção externa, pode levar ao desencadeamento do processo de formação de espuma.
A paralisação da captação de água para a produção da ETA Guandu encontra-se justificada pela CEDAE, em função da identificação visual da formação de espuma em unidades/dispositivos da ETA, e na sequência, da identificação analítica laboratorial da presença de surfactantes.
Neste contexto, é possível afirmar que:
- Devido ao uso de sabões e detergentes, surfactantes/tensoativos estão sempre presentes nos esgotos sanitários;
- Enquanto fonte nutricional também responsável pelo processo de floração de algas e de crescimento de cianobactérias, inclusive aquelas espécies produtoras de Geosmina, a presença de fósforo nos esgotos sanitários não é somente devida a origem fisiológica humana, mas também é função do uso de produtos de higiene e limpeza. Aproximadamente 50% da massa de fósforo veiculada pelos esgotos sanitários têm origem no uso de sabões e detergentes;
- Esgotos sanitários gerados na bacia hidrográfica do rio Guandu não são tratados, poluem o manancial e vêm conferindo à água bruta captada pela ETA Guandu, qualidade incompatível com a tecnologia de tratamento de água instalada. A impossibilidade do contínuo atendimento ao padrão de qualidade de água para consumo humano impede a distribuição da água produzida;
- Infelizmente, apesar de paralisar a produção de água tratada para atendimento de 9 milhões de habitantes, a interrupção da captação de água do manancial poluído constitui estratégia adequada para situação de impossibilidade de produção de água tratada de acordo com padrão de qualidade para consumo humano. A estratégia serve como medida emergencial para conter os efeitos do maior problema ambiental do Estado do Rio de Janeiro, provavelmente do país;
- As imagens que ilustram a atual formação de espuma em unidades/dispositivos da ETA correspondem situação extraordinariamente atípica. A ETA Guandu sempre captou água bruta contendo níveis toleráveis de surfactantes/tensoativos, e que usualmente não são capazes de proporcionar geração de tamanha quantidade de espuma. A situação atípica sugere a presença de surfactantes de composição não usual, típica de eventos extraordinários, tais como derramamentos acidentais ou não. Por outro lado, a presença de surfactantes de mesma composição que a usual, porém em quantidades maiores que as usuais, e por hipótese, associada às chuvas que ocorreram na bacia do Guandu, não encontra registros em eventos pluviométricos pretéritos similares.
- Desnecessário reafirmar que o absurdo descaso de sucessivos governos quanto ao esgotamento sanitário da bacia do rio Guandú seja a causa do problema. Reitera-se a emergência quanto ao devido saneamento ambiental de toda a área urbana dos municípios drenados pelos rios dos Poços, Queimados e Ipiranga, o qual deverá contar com o tratamento terciário dos esgotos visando a remoção de nitrogênio e fósforo.
- Reitera-se que remediar a qualidade da água de corpos d’água poluídos faz somente sentido para o caso de aporte proveniente de fontes difusas de poluição. Ainda assim, após o devido controle das fontes pontuais de poluição, como é o caso dos esgotos sanitários. Tanto o encapsulamento de fósforo com emprego de tecnologia de adsorção e imobilização, o tratamento da água dos cursos d’agua em linha corrente, ou qualquer outra solução de remediação da poluição em recursos hídricos, devem ser somente idealizadas a partir do devido controle da poluição advinda de fontes pontuais, como é o caso dos esgotos sanitários. Neste mesmo contexto é que se insere a alternativa de transposição dos rios dos Poços, Queimados e Ipiranga para jusante da barragem do Guandu. A transposição de bacias deve sempre se configurar como uma solução complementar, no sentido da eliminação do aporte de cargas nutricionais provenientes de fontes difusas à ambientes lênticos, visando o menor risco sobre a qualidade ambiental e sanitária do manancial.
Fonte da Imagem: G1 - Portal de Notícias
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do DRHIMA UFRJ