A Nave Terra
*Por Theophilo Benedicto Ottoni Filho.
A quarentena imposta pelo Covid-19 à sociedade mundial nos induz a uma reflexão sobre nós mesmos como indivíduos e grupo humano que habita uma cidade, país e Planeta como viajantes que fazem uma jornada dentro de um mesmo veículo durante nosso período de vida. Somos viajantes lado a lado, percorrendo nosso rumo como pessoas individuais, família, país e, numa escala máxima, como passageiros de uma grande nave espacial, a nave Terra, trafegando pelo cosmos infinito. Temos que sobreviver juntos, da melhor maneira possível, nessa jornada da vida nas diferentes escalas de agrupamentos humanos. Agrupamentos que cada vez mais se comunicam e multiplicam nessa nave, pois o homem, por ser inteligente e sociável, inexoravelmente passa o que descobre e reaviva com sua inteligência ao viajante que está ao lado. Ele passa essa influência de saber inteligente evolutivo mesmo que não saiba que esteja fazendo isso, como nós transmitimos o Covid-19 não sabendo que estamos infectando. É uma transmissão silenciosa e automática de saber e inteligência, e, portanto, de evolução da consciência humana. A inteligência não pode ser contida nessa nave, pois todo mundo quer ser “infectado” por ela. Todo mundo quer a inteligência superior do outro. Quem não deseja ser mais inteligente e evoluído? Por isso a inteligência se multiplica dentro da nave. Com a multiplicação, estamos vivendo mais e a Terra vai ficando mais habitada, as pessoas trafegando em tempos cada vez maiores. No início do século passado, éramos cerca de um bilhão, vivendo em média aproximadamente 45 anos. Hoje, apenas 120 anos depois, vivemos quase o dobro e nos multiplicamos em sete vezes.
Certamente ficamos mais inteligentes nesses 120 anos. A maioria dos nossos materiais, métodos e instrumentos são diferentes dos de 120 anos atrás. Somos muitíssimos mais eficientes no que fazemos. Controlamos de certa forma a maioria das doenças que costumeiramente nos matavam naquele início de século. Controlaremos rapidamente o Covid-19, pois já controlamos diversos outros patógenos nesse período. Com esse vírus não deve ser muito diferente. As ciências evoluíram em grandes proporções desde o século passado. Na espiritualidade evoluímos menos, mas, motivados pela inteligência, evoluiremos relativamente mais rápido nesse quesito daqui para adiante. Com espiritualidade, quero dizer o conhecimento prático, vívido, de não fazer aos outros aquilo que não queremos que façam conosco, vendo realmente o outro como se fosse nós. Pois, com o incremento da nossa inteligência aprendemos que ser íntegro e manso é melhor que ser imoral e raivoso. É mais inteligente e viveremos melhor sendo assim. E, por sermos inteligentes, queremos o melhor para nós.
Não sou profissional de infectologia ou saúde pública, mas esses microrganismos recentes nefastos à saúde humana (Influenza, Dengue, SARS, MERS, entre outros) dentro da nave Terra cada vez mais habitada e, portanto, sujeitas às infecções acontecem por não sermos inteligentes o suficiente com o ambiente da nave ou com os outros humanos nela. Estamos pagando por isso. Esses patógenos que não nos agrediam, passaram agora a fazê-lo. Eles reagiram a uma ação indevida nossa. Humanos sem saneamento básico, homens se alimentando de animais sem o devido cuidado sanitário, são exemplos óbvios, dentre vários outros, de práticas que precisamos rapidamente evitar, como já evitamos outras práticas nefastas no passado (como o excesso de guerras, a escravidão, entre outros). O colapso recente da qualidade da água na cidade do Rio de Janeiro é outro caso na mesma linha daquilo que estamos comentando nesse parágrafo, uma consequência de uma ação pouco inteligente e danosa ao meio ambiente e sociedade humana.
Um último comentário: nessa nave Terra a lotação máxima que os estudiosos preveem está no entorno de 11 bilhões de humanos, daqui a algumas décadas ainda no século XXI. Nave com muito mais inteligência de humanos que fará com que os mais pobres se espelhem nos mais ricos e tenham por família o máximo de dois filhos. Mas que o vírus da inteligência e da evolução fará também com que os mais pobres tendam a aprender mais rapidamente a se tornarem mais produtivos devido ao grande desejo de se alimentar e viver no mesmo padrão dos outros viajantes da primeira classe, os mais ricos. Estes, por sua vez, compreenderão melhor a necessidade da diminuição das desigualdades sociais, também por estarem se tornando mais inteligentes e espirituais, da mesma forma que os mais desfavorecidos socialmente. Essas serão tendências inexoráveis nos ambientes humanos futuros quando a Terra estiver mais próxima da sua população máxima de equilíbrio, pois são tendências baseadas no justo desejo de uma vida melhor e mais igualitária.
Uma questão que se coloca novamente aqui é como o meio ambiente da nave vai reagir a esse desejo de maior consumo, devido ao aumento da população e aumento da demanda per capita dos bens materiais. Novamente, a população da Terra terá que resolver a contento esse outro tema ambiental. Um ponto crucial aqui é a capacidade do meio ambiente da nave de suprir a demanda de alimentação dos viajantes. Como a Terra será capaz de alimentar os 11 bilhões de terrestres que, por serem bem mais exigentes no futuro, queiram se alimentar saudavelmente nesse tempo próximo daqui a poucas décadas? Como a questão do controle sanitário de nosso meio ambiente, ou a questão do aquecimento global, precisamos também enfrentar esse outro desafio global e vital para a humanidade. A resposta a esse desafio virá do manejo sustentável do solo visando à produção agrícola, sem grandes perturbações das biotas terrestres e aquáticas, mantendo o equilíbrio da saúde humana e dos demais seres. Manejo das biotas terrestres, a partir da biota mais próxima do vegetal, que é o próprio solo. E essa manutenção saudável e sustentável da biota do solo com vistas à produção vegetal só será possível em ambiente de solo suficientemente hidratado e também adequadamente nutrido por resíduos de matéria orgânica, sem a necessidade da reposição corriqueira das substâncias macronutrientes contidas nos adubos minerais, substâncias essas que são de quantidade finita no Planeta. A começar pelo macronutriente fósforo, cujos minérios são globalmente bastante limitados, muito mais que o petróleo.
Gostaria de terminar dizendo que sou otimista quanto à possibilidade de superarmos todos esses obstáculos quanto à continuidade da preservação da vida na Terra em ambientes humanos saudáveis, inteligentes e espirituais, mesmo com a lotação máxima da nave. Nós somos inteligentes, a Natureza também, por isso creio que o nosso destino é de superar todas as dificuldades dos nossos relacionamentos humanos e ambientais, tendo em vista o bem estar na Terra. Como disse Cristo em seu Sermão da Montanha: “Bem aventurados os mansos, porque eles herdarão a Terra”.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do DRHIMA UFRJ